Estados tiram R$ 7 bi de novos regimes de Previdência para pagar aposentados; Bahia está na lista
Pelo menos 12 estados que adotaram o sistema de capitalização da Previdência para parte dos seus servidores extinguiram o modelo ou sacaram recursos para pagar benefícios. De acordo com a Folha, o cruzamento de dados da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia e de institutos de previdência estaduais mostram desvio de recursos superior a R$ 7 bilhões.
Ainda segundo a Folha, desses estados, 10 estão atualmente em situação de irregularidade em relação ao equilíbrio financeiro e atuarial no sistema da secretaria. Outros dois estão sob análise.
O sistema conhecido como “segregação de massa” foi uma tentativa de governadores para tentar equilibrar seus regimes próprios de Previdência.
Os regimes públicos de Previdência são de repartição simples, pelo qual trabalhadores da ativa pagam benefícios dos que já se aposentaram.
Leis aprovadas nas Assembleias definiam que novos servidores, a partir de uma data de corte, passariam a contribuir para um fundo de previdência, junto com o governo estadual, que capitalizaria tais recursos para bancar a aposentadoria total desses mesmos segurados.
Servidores antigos ficaram no regime de repartição simples, que continuaria deficitário até pagar o último beneficiário. No futuro, restaria somente o fundo capitalizado.
Apenas quatro estados (São Paulo, Acre, Mato Grosso e Pernambuco) não fizeram a segregação para a capitalização, o que mostra a aposta feita desde meados da década de 1990 neste modelo.
O agravamento da crise fiscal nos estados a partir de 2013, no entanto, levou muitos governadores a rever decisão de seus antecessores e a sacar esses recursos.
Além disso, a implantação da previdência complementar no governo federal, para pagar aposentadorias acima do teto do INSS, colocou esse novo modelo como solução para tentar equilibrar as despesas com inativos.
“Alguns estados que implementaram a segregação de massas, não sendo capazes de suportar os sucessivos déficits do fundo em regime de repartição simples, extinguiram o fundo novo [de capitalização] para, no processo de unificação, utilizar dos seus recursos capitalizados para o pagamento das despesas previdenciárias”, disse o Tesouro Nacional ao analisar a questão no seu boletim sobre os entes subnacionais.
Minas Gerais, por exemplo, criou um fundo em 2002 que chegou a ter R$ 3,3 bilhões. Uma lei de 2013 extinguiu a segregação e os recursos foram utilizados para bancar despesas com os demais inativos.
A extinção dos fundos em Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Sergipe resultou na transferência de cerca de R$ 2 bilhões para pagar outros aposentados.
O Paraná reuniu R$ 8,7 bilhões de 1998 a 2015. Em 2012 e 2015 foram feitas alterações nas regras que reduziram o número de contribuintes e obrigaram o fundo previdenciário a assumir servidores do outro regime próximos à aposentadoria.
Relatório de 2018 mostra que o fundo já encolheu R$ 1,6 bilhão e pode ficar deficitário na próxima década. Houve também extinção de fundos no Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Goiás e Pará. Este último foi recriado posteriormente.
Um relatório da Secretaria de Previdência de 2017 lista ainda saques não autorizados na Bahia, Piauí e Paraíba, com impacto total de quase R$ 300 milhões.
Desde 2008, a legislação já determinava que alterações nas regras de segregação deveriam ser submetidas previamente à secretaria. Em 2017, o órgão entregou à CPI da Previdência relatório sobre “tentativas de retiradas de recursos dos fundos previdenciários capitalizados dos RPPS”.
Os estados que infringiram as regras foram notificados e ficaram sem o CRP (Certificado de Regularidade Previdenciária), o que os impede de receber transferências da União.
Os certificados, no entanto, voltaram a ser emitidos por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o que desobrigou os estados de regularizarem a situação.
Nova tentativa de resolver a questão foi incluída nas propostas de reforma da Previdência dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.
A reforma de Temer naufragou. Na de Bolsonaro, estados foram retirados do texto.
O atual governo também pretendia criar um sistema de capitalização com contas individuais para trabalhadores do setor público e privado. No sistema de segregação adotado nos estados, as contribuições não são individualizadas.
A proposta foi criticada, entre outros motivos, pelo custo de sustentar os segurados do regime de repartição, problema que fez o modelo ser abandonado.
O presidente do Ipern (Instituto de Previdência do Rio Grande do Norte), Nereu Batista Linhares, foi um dos responsáveis pela segregação em 2005, revertida em 2014. As contribuições do governo do estado e de 12 mil servidores chegaram a R$ 1 bilhão.
Em dezembro daquele ano, em um contexto de transição no governo estadual, a assembleia local aprovou a extinção do fundo, o que permitiu o pagamento de duas folhas em atraso, além de manter as despesas em dia por mais de um ano. Hoje, o déficit mensal é de R$ 130 milhões.
Ele afirma que esse deveria ser um projeto de longo prazo, mas o sistema acabou sem que o fundo tivesse pago nem a primeira aposentadoria.
“A segregação era perfeita. Tivemos alguns superávits muito bons. Mas não criaram mecanismo de controle. Mataram a galinha dos ovos de ouro”, afirma Linhares.
Em Santa Catarina, foram utilizados R$ 700 milhões do fundo previdenciário para cobrir um déficit de R$ 200 milhões por mês. Para recompor os recursos para os mesmos servidores, o governo estadual teria de aportar R$ 2 bilhões.
“O antigo governo, por uma questão de dificuldade financeira, não encontrou alternativa. Foi uma solução paliativa. Demorou quase sete anos para acumular o recurso e, em poucos meses, se consumiu tudo”, afirma o presidente do Iprev (Instituto de Previdência de Santa Catarina), Kliwer Schmitt.
O Instituto de Previdência do Distrito Federal informou que o saldo do antigo Fundo Capitalizado foi incorporado a um Fundo Solidário Garantidor, responsável pela solvência tanto do sistema de repartição como da nova previdência complementar.