Previsão de corte de R$ 407 milhões gera temor de falta de remédio para HIV
Os cortes no Ministério da Saúde previstos na proposta de Orçamento para 2023 geram preocupação entre associações que representam pacientes com HIV. De acordo com levantamento do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), o projeto prevê redução de R$ 407 milhões para prevenção, controle e tratamento de HIV/AIDS, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites virais.
A área é uma das 12 listadas pelo IEPS que podem perder recursos no ano que vem, com reduções que variam de 17,4% da verba, como na área de HIV/Aids, até 65,7%, como no caso da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação em saúde. Outras áreas que podem perder recursos são o setor de dados e o programa Médicos pelo Brasil, substituto do Mais Médicos.
"É um descaso com a saúde e com a história recente do país. O Brasil teve uma resposta exemplar à Aids em anos anteriores. Por que cortar em um programa que é exemplar e que tem repercussão em outras patologias?", questiona o vice-presidente da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), responsável pelo Observatório Nacional de Políticas de Aids, Veriano Terto Junior.
Segundo Ministério da Saúde, nenhuma política pública será interrompida.
Ele teme pela adição de novos remédios para tratamento e prevenção. "O ministério afirma que vai comprar o carbotegravir para a profilaxia pré-exposição, a PrEP. Trata-se de um medicamento que é muito importante e adequado para a prevenção, mas que é caro", exemplifica.
Outro receio é que o corte nos recursos afete a manutenção do programa atual de medicamentos. Terto Junior cita a compra de lamivudina, medicamento utilizado em diferentes esquemas de tratamento antirretroviral --incluindo os esquemas simplificados: lamivudina associada a dolutegravir; lamivudina associada a darunavir e ritonavir-- e cuja demanda aumentou nos últimos meses.
Ele menciona ainda a necessidade de recursos para campanhas de prevenção, uma vez que o número de pacientes continua a preocupar. De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, em 2020, o país registrou 29.917 novos casos de Aids e 10.417 mortes associadas ao HIV.
De 1980 a junho de 2021, foram identificados 1.045.355 casos de Aids no Brasil, com concentração nas regiões Sudeste (50,6%) e Sul (19,8%), seguidas pelas regiões Nordeste (16,5%), Norte (6,9%) e Centro-Oeste (6,2%).
"Não vemos campanhas de prevenção. Existe o contexto conservador da nossa sociedade, que acaba sendo uma barreira porque falar de prevenção implica abordar uso de preservativos e educação sexual, e o corte pode alimentar argumentos como 'não vamos fazer campanha porque não temos dinheiro'", afirma Terto Junior.
Para evitar que o corte seja aprovado, entidades como a Abia têm buscado mobilizar a população, legisladores e promotores. Um exemplo é a manifestação prevista para o próximo dia 21, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo.
"Tentamos levar para o debate público e mostrar para a sociedade as perdas envolvidas. Perder o lugar de referência no enfrentamento à Aids no mundo é triste porque significou um esforço financeiro, de profissionais e de vidas muito grande", diz o vice-presidente da Abia.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que nenhuma política pública será interrompida. "A pasta está atenta às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias na proposta orçamentária para 2023", diz.
Em relação à lamivudina, o ministério afirma que não há desabastecimento. Segundo a pasta, no mês de setembro, houve um crescimento rápido e acima do previsto do uso dos esquemas simplificados de tratamento e buscou-se ampliar a aquisição no laboratório.