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Sem fiscalização, Carnaval tem contratação de artistas com repertório enquadrado em Lei Antibaixaria

 



Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 2 de março de 2023

“Sua bunda pulsa”, “deixa eu botar meu boneco”, “sua sentada é a melhor” e “ela bebe pra sentar” são alguns dos trechos que fizeram sucesso no Carnaval de Salvador neste ano. Cantadas por artistas que chegaram a receber cachês milionários do poder público, as letras que já acumulam mais de 80 mil streams no Spotify reúnem polêmicas e batem de frente com a lei conhecida como “Antibaixaria”.

Sancionada em 2012 pelo então governador Jaques Wagner (PT), a Lei Estadual 12.573 veda a utilização de recursos públicos para o contrato de artistas que tenham em seus repertórios músicas que desrespeitem mulheres ou qualquer minoria social.

No entanto, com embolsos que variaram de R$ 180 mil a R$ 1,8 milhão (conforme o portal da transparência da administração municipal), os cantores Leo Santana, Escandurras, Oh Polêmico e Ivete Sangalo embalaram a multidão de foliões que consagrou este como o “maior carnaval da história”, segundo o prefeito Bruno Reis (União).

Cofres abertos

Da mesma forma, Escandurras e outros nomes com composições que dão o que falar, a exemplo de Psirico, Tierry e La Fúria, foram convidados pelo governo do estado. De acordo com informações publicadas no Diário Oficial do Estado (DOE), os contratos no geral vão de R$ 17 mil a R$ 850 mil.

Como na festa momesca de 2020 — quando cerca de R$ 705 mil foram investidos pelas gestões municipal e estadual com artistas enquadrados na Lei Antibaixaria —, o regulamento continua inoperante e sem fiscalização na capital baiana. Em 2023, ela só foi aplicada em Juazeiro, a pedido do Ministério Público da Bahia (MP-BA).

“As letras são horríveis, machistas e precisam ser criticadas”, opina a antropóloga e pesquisadora de “estudos de gênero” na Ufba, Cecília Sardenberg. A visão é a mesma da psicóloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM), Darlane Andrade: ela lamentou, em entrevista ao Jornal da Cidade, na Rádio Metropole, “o financiamento de músicas que reiteram o machismo e a violência de gênero”.

Segundo Darlane, as canções ensinam sutilmente homens a como tratar mulheres, e mulheres a como se comportar. “Essa violência muitas vezes chega de uma forma bem sutil: as pessoas dançam e cantam sem prestar tanta atenção no conteúdo e em como ele vai reverberando no nosso comportamento, na nossa forma de pensar o que é ser mulher e em como a gente deve se portar perante a sociedade”, avalia.

O artista canta o que conhece

Diversos são os questionamentos, por outro lado, sobre a proibição da contratação destes cantores — uma vez que as críticas estão majoritariamente associadas a artistas negros, de origem pobre, que têm como público principal o povo periférico.

“O artista canta o que ele conhece”, ressaltou o fundador do grupo Bagunçaço, Joselito Crispim, em conversa com o programa Revele, na Metropole. Sobre a origem do sucesso “Segura o tchan”, por exemplo, ele comentou a intenção de Bieco do Tchan ao compor a música em Alagados do Uruguai, em Salvador.

“O jovem que está fazendo a música, esse que incomoda a sociedade, é um jovem de pouca escolaridade e é um cronista que está contando a sua crônica. Ele está se descobrindo sexualmente e acha que aquilo é maravilhoso”, observou.

Já o cantor Lazzo Matumbi revelou à Rádio Metropole que sente falta das antigas canções do carnaval. “Tinham músicas que foram feitas por compositores que tinham preocupação com essa questão mais poética”