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Vai dormir que a fome passa!

A agonia da fome, o fantasma que caminha à noite.
A agonia da fome, o fantasma que caminha à noite.
Por Daiane Costa*
Na última quarta-feira, os seis filhos de Rita de Cássia dos Santos Souza, de 37 anos, não foram dormir com fome. Era noite de festa na casa de Maria Helena Cardoso, que completava 66 anos. O cardápio: feijão tropeiro. Maria Helena mora com o marido e a mãe, de 87 anos, em um casarão no entorno da Praça Redenção, em Paciência, Zona Oeste do Rio. Costuma ser o refúgio das crianças da família Souza quando falta comida em casa. Principalmente na hora do almoço, depois da escola.
— À noite, meus filhos não costumam ter sono cedo e ficam assistindo TV. Daí, quando chega umas 23h, eles pedem: “Mãe, tem biscoito? Mãe, tem leite?” Como eu não tenho nada em casa, tenho de dizer: Vão dormir que a fome passa — conta Cássia, como costuma ser chamada.
É justamente à noite que a fome é biológica e fisiologicamente mais sentida pelo indivíduo, que acaba tendo dificuldades para dormir, explica Maria do Carmo de Freitas, especialista em antropologia da alimentação e autora do livro “Agonia da fome”, sobre uma comunidade pobre de Salvador:
— A fome é tida no campo subjetivo como uma metáfora do fantasma que caminha à noite. O indivíduo externaliza que é o fantasma da fome tomando o corpo.
Rede de Solidariedade
Cássia diz que Maria Helena é fundamental na vida da família: — A casa dela está sempre cheia, e eu sou um dos quatro filhos de coração dela — completa, enquanto amamenta a filha mais nova, Carolina, de 3 anos.
A cozinheira desempregada amamentou todos os seis filhos por pelo menos três anos. Além de dificilmente ficarem doentes, no caso da mais nova é uma refeição a menos com que se preocupar. Ela também recebe alimentos e roupas da igreja evangélica que frequenta. A família pode não saber, mas faz parte de um contexto classificado por especialistas como estratégias da fome.
— As pessoas acabam se integrando a uma rede de apoio social, que pode vir de amigos, familiares, da igreja e de ONGs. Pede ao vizinho, compra fiado. Quanto maior essa rede, menor a chance de passarem fome — observa a nutricionista Rosana Salles da Costa, professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ, e pesquisadora sobre segurança alimentar.