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Cercado por Lei Rosemberg, em 5 anos, TCM aplicou 8.020 multas a gestores por mau uso do dinheiro

 Cercado por Lei Rosemberg, em 5 anos, TCM aplicou 8.020 multas a gestores por mau uso do dinheiro

Foto: Mateus Pereira/GOVBA

Reportagem originalmente publicada no Jornal da Metropole,  de 2022


Se tivesse sido aprovada em 2018, a Lei Rosemberg teria dificultado até aqui a aplicação de 8.020 multas contra gestores públicos municipais em toda Bahia. O número traduz o quanto a nova decisão, aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa do estado, pode atravancar o trabalho de fiscalização do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).

Um levantamento exclusivo feito pelo Jornal da Metropole, com base nos arquivos dos últimos cinco anos do órgão, revela um montante de R$ 66 milhões em sanções a prefeitos e secretários por mau uso do dinheiro público. Só no último biênio, de 2020 a 2021, este valor chegou a R$ 31,7 milhões.

Proposta pelo deputado Rosemberg Pinto (PT), e aprovada no dia 22 de dezembro, a lei 14.460 interfere no funcionamento do TCM — órgão especializado na análise das contas públicas dos 417 municípios que compõem o estado. 

Antes, a aplicação de multas era guiada por critérios como “grave infração à norma legal” e "ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico", resultando em "injustificado dano ao erário". A depender da gravidade, as penas variavam entre cinco faixas de valor (de R$ 300 a R$ 15.000)

Com o texto revisado, as penas não podem ser mais aplicadas se não for comprovado que os gestores agiram com "em benefício próprio ou de familiares". Outra restrição imposta é que os conselheiros do TCM precisam demonstrar que houve dolo (intenção) no mau uso do dinheiro — competência que antes cabia ao Ministério Público Estadual (MP-BA), após representação do tribunal, para adoção de medidas cíveis ou criminais. 

A lei, informalmente batizada com o nome do deputado proponente, é inédita em todo o país. Como agravante, ainda choca-se contra preceitos da Constituição Federal (no artigo 75) e, por tabela, cria indisponibilidade com a Constituição do Estado da Bahia (no artigo 91).

No entendimento de juristas, a Lei Rosemberg abre brechas e estimula o uso de laranjas, para encobrir a participação de parentes de prefeitos e secretários em atos criminosos. 

Há também o entendimento de um forte compadrio entre deputados estaduais e prefeitos, no sentido de enfraquecer a atuação do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) . Em ano eleitoral, a exemplo de 2022, muitos gestores municipais atuam como puxadores de votos para candidatos ao legislativo. Enfraquecer os instrumentos de fiscalização do TCM favorece políticos que desejam lesar o erário público. 

A REAÇÃO CONTRA A LEI

Diante da aberração jurídica em face da inconstitucionalidade, veiculada no Jornal da Metropole em reportagem de capa na última edição, muitas vozes têm se levantado pedindo a revogação da lei.

Professora de Direito Civil da Ufba, a advogada Cristiana Menezes Santos criticou a decisão da Assembleia Legislativa da Bahia. "Eu espero que o Ministério Público que é omisso em muitas áreas, entre com uma ação. Partidos políticos também precisam se pronunciar. É um país que está pirado. Tá de ponta cabeça. A ética não faz curva. Se o político está errado, tem que ser processado e responder por isso. Gestor de dinheiro público tem que cuidar do dinheiro público como se fosse o melhor amigo dele", diz.

O procurador do Ministério Público de Contas (MPC), Danilo Diamantino, em sessão ordinária no TCM, fez duras críticas e classificou a decisão como inconstitucional. Diamantino ainda apontou caminhos possíveis para uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), tanto do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).

“Essa norma viola a Constituição Estadual e a Constituição Federal. Isso significa dizer que caberia uma Adin não só frente ao TJ-BA como também ao STF”, apontou.

O conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Gildásio Penedo Filho, classificou a Lei Rosemberg como “flagrantemente inconstitucional”. 

Corregedor do TCE, Penedo ressalta que a AL-BA não poderia alterar uma legislação que atinge o funcionamento do TCM. “(A lei) tinha que partir do próprio tribunal de contas. Esse projeto de lei não poderia ser oriundo de outro poder, porque versa sobre a própria organização do tribunal. Essa matéria está eivada de vícios”, destacou.

Os conselheiros do TCM devem apreciar a partir da próxima semana um parecer jurídico sobre a lei. Após se debruçarem sobre o texto e, por meio de uma decisão colegiada, podem ingressar na Justiça pedindo a derrubada por inconstitucionalidade.  

Com norma do STF, conselheiros seguem aplicando multas

Embora em vigor desde sua publicação, a Lei Rosemberg não tem sido utilizada pelos conselheiros do TCM. Em documento que analisa a prestação de débito do prefeito de Salinas das Margaridas, Wilson Ribeiro Pedreira, a sanção foi aplicada aos antigos moldes. O documento é do dia 15 de fevereiro deste ano. E a multa no valor de R$ 1.500 foi executada por infrações como admissão de servidores sem a realização de prévio concurso público e tímida cobrança da dívida ativa.

Os conselheiros têm se valido do entendimento da súmula número 347 do STF (“o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”), além de se ancorar na resolução número 1.392/2019, do próprio tribunal, por entender a inconstitucionalidade da Lei Rosemberg. 

OUTRO LADO

O deputado petista que nomeia a lei proposta diz que o texto vem para dar segurança ao gestor público, evitando que a função seja “um ato inglório”. 

“Aquele que se dispõe a servir ao povo não pode passar anos de sua via respondendo por atos dos quais não agiu com dolo e nem se beneficiou de qualquer ação em detrimento ao erário”, justifica. Rosemberg Pinto diz ainda que há uma “análise fria” do TCM, em relação à intencionalidade, além de desconsiderar a possibilidade de pagamento das despesas pelos municípios.

“Acho uma insensatez com prefeitos e prefeitas, principalmente quando estes deixam o mandato. Não quero aqui fazer nenhuma crítica ao Tribunal, pelo seu entendimento na matéria, porém não acho justo multar os gestores no campo pessoal, quando não é caracterizado dolo”, pontua.